domingo, 24 de agosto de 2014

As Tempestades dos Meus Olhos



Um verão que ainda não havia acabado, o calor das pessoas e dos dias apinhados e floridos, a sinestesia da beleza sentida em todos os ambientes; Parecia haver uma escassez de bile e de contratempos às pessoas que saíam de suas camas e casas naquele começo de manhã, se entregando às convidativas brisas de verão que sopravam incessantes e prazerosas, ou pelo menos uma ilusão aparente disso. 
        João era um deles. Até parar de sentir, até a tempestade chegar.


- Por que o sol brilha mais hoje? - De repente se pergunta.

A indagação vem como chuva de Dezembro, adentrando - repentina e calamitosa - aquele antigo marasmo. Ela cresce, toma formas, é precipitação de perguntas ácidas. Enquanto cai, corrói o que antes resplandecia.

- Por que há de eternidades de alvoradas escarlates e noites estreladas tornarem algo mais fácil, ou melhor?

Uma vez que começa, só o que resta é esperar sua trégua, proteger o que for possível e esconder-se embaixo dos cobertores quando se iniciam os barulhentos trovões e os funestos relâmpagos de contradições.

- As noites escuras e frias não serão presságios de maus acontecimentos assim como os dias amarelos e calorosos não servem de escudo para tais subterfúgios, o tempo é avesso a meu estado, toda essa beleza é escarnio, pura zombaria.


A chuva em seus olhos enevoa qualquer beleza que o cercava, o sol – fúlgido, brilhante e cheio de possibilidades – vira lua exumada de crepúsculo, o verde que está a sua volta causa inveja, única ao humano que sabe não ser importante, essencial, verdejante.


- Da alegria à tristeza, paz ao caos e até vida e morte, tudo acontece e muda constantemente se desenrolando numa melodia fúnebre, mas que é sadicamente doce aos meus ouvidos. Apenas um pequeno êxtase após toda esta amarga resignação. Vida!

O aguaceiro parece dar suas ultimas lufadas, o apocalíptico suspiro. Sua força aumenta, como se é devido a uma saída triunfal. O som é excruciante, a orgia reina.

- Serão os confrontos pragmáticos e os obstáculos aparentemente intermináveis a síntese de minha face lúgubre ou apenas um véu de superficialidade e de reafirmação, um ciclo repetitivo de formalidades negatórias? Do vento que antes me deleitava ao toque acalentador de minha musa, nada escapa, é tudo trivial.



Amaina - por uma banal batida de asas – e para de repente, como havia começado.


- Minha consciência.

Na sua súbita origem, a tempestade trazia as gotas de uma racionalidade destrutiva, um vendaval de vazio e insignificância.  Em seu fim deixa nuvens negras, limitadoras e de cinismo, um sufocante aglomerado de desconfiança.

- Oca marionete.


Começa-se uma nova espera, diferente da primeira, um aguardo para que o tempo se abra, que a negritude das nuvens dê lugar a uma nova alvorada. Permite-se inicialmente uma pequena brecha - um raio ínfimo - mas preciosíssima a João. Ele vive daquele vislumbre de luz agora. Cada movimento dele neste limitado espaço é um puxar das cordas de seu personagem. Que outra opção resta além dessa? Somente os bastidores: as nuvens negras, as perguntas. 
        Em meio a esse puxa-puxa incessante - maior a cada brecha - é sempre esperado, com certa temeridade, o choque crucial entre ator e personagem: o fim do milenar espetáculo. Contudo, no decorrer dessa espera o vento volta a ser deleite, o toque da musa desta vez acalenta e o verde se torna mais uma vez protuberantemente belo. O desfecho dessa pantomima é cada vez mais distante.

A próxima chuva já começa a condensar suas indagações, mas, oh, o sol fulgura! Até a próxima tempestade,  o show deve continuar.