Um verão
que ainda não havia acabado, o calor das pessoas e dos dias apinhados e floridos,
a sinestesia da beleza sentida em todos os ambientes; Parecia haver uma
escassez de bile e de contratempos às pessoas que saíam de suas camas e casas
naquele começo de manhã, se entregando às convidativas brisas de verão que
sopravam incessantes e prazerosas, ou pelo menos uma ilusão aparente disso.
João
era um deles. Até parar de sentir, até a tempestade chegar.
- Por que
o sol brilha mais hoje? - De repente se pergunta.
A
indagação vem como chuva de Dezembro, adentrando - repentina e calamitosa -
aquele antigo marasmo. Ela cresce, toma formas, é precipitação de perguntas ácidas. Enquanto
cai, corrói o que antes resplandecia.
- Por que
há de eternidades de alvoradas escarlates e noites estreladas tornarem algo
mais fácil, ou melhor?
Uma vez
que começa, só o que resta é esperar sua trégua, proteger o que for possível e esconder-se embaixo dos cobertores quando se iniciam os barulhentos trovões e os
funestos relâmpagos de contradições.
- As
noites escuras e frias não serão presságios de maus acontecimentos assim como
os dias amarelos e calorosos não servem de escudo para tais subterfúgios, o
tempo é avesso a meu estado, toda essa beleza é escarnio, pura zombaria.
A chuva
em seus olhos enevoa qualquer beleza que o cercava, o sol – fúlgido, brilhante
e cheio de possibilidades – vira lua exumada de crepúsculo, o verde que está a
sua volta causa inveja, única ao humano que sabe não ser importante,
essencial, verdejante.
- Da
alegria à tristeza, paz ao caos e até vida e morte, tudo acontece e muda
constantemente se desenrolando numa melodia fúnebre, mas que é sadicamente doce
aos meus ouvidos. Apenas um pequeno êxtase após toda esta amarga resignação. Vida!
O
aguaceiro parece dar suas ultimas lufadas, o apocalíptico suspiro. Sua força
aumenta, como se é devido a uma saída triunfal. O som é excruciante, a orgia
reina.
- Serão os confrontos pragmáticos e os obstáculos
aparentemente intermináveis a síntese de minha face lúgubre ou apenas um véu de
superficialidade e de reafirmação, um ciclo repetitivo de formalidades
negatórias? Do vento que antes me deleitava ao toque acalentador de minha musa,
nada escapa, é tudo trivial.
Amaina - por
uma banal batida de asas – e para de repente, como havia começado.
- Minha
consciência.
Na sua súbita
origem, a tempestade trazia as gotas de uma racionalidade destrutiva, um
vendaval de vazio e insignificância. Em
seu fim deixa nuvens negras, limitadoras e de cinismo, um sufocante
aglomerado de desconfiança.
- Oca marionete.
Começa-se
uma nova espera, diferente da primeira, um aguardo para que o tempo se abra,
que a negritude das nuvens dê lugar a uma nova alvorada. Permite-se inicialmente
uma pequena brecha - um raio ínfimo - mas preciosíssima a João. Ele vive daquele
vislumbre de luz agora. Cada movimento dele neste limitado espaço é um puxar
das cordas de seu personagem. Que outra opção resta além dessa? Somente os
bastidores: as nuvens negras, as perguntas.
Em meio a esse puxa-puxa incessante - maior a cada brecha - é sempre esperado, com certa temeridade, o choque crucial entre ator e personagem: o fim do milenar espetáculo. Contudo, no decorrer dessa espera o vento volta a ser deleite, o toque da musa desta vez acalenta e o verde se torna mais uma vez protuberantemente belo. O desfecho dessa pantomima é cada vez mais distante.
A próxima
chuva já começa a condensar suas indagações, mas, oh, o sol fulgura! Até a próxima tempestade, o show
deve continuar.